Justiça
STF condena jornalista de MS a pagar R$ 318 mil a Gilmar Mendes
O Supremo Tribunal Federal condenou o jornalista Rubens Valente, de Mato Grosso do Sul, a pagar indenização por danos morais de R$ 318 mil ao ministro Gilmar Mendes. O dinheiro representa tudo o que o profissional, um dos mais respeitados do País, acumulou ao longo de 32 anos de carreira. A condenação passou a ser considerada uma nova forma de censura pela ABI (Associação Brasileira de Imprensa) e ABRAJI (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo).
O caso foi tema de reportagem da Pública, agência de jornalismo investigado, e passou a mobilizar colegas que realizaram uma vaquinha para ajudar o jornalista a pagar a fortuna ao magistrado. O caso é emblemática e representa mais um retrocesso na liberdade de imprensa no Brasil.
Valente foi condenado pelo livro “Operação Banqueiro”, que traz detalhes da Operação Satiagraha da Polícia Federal contra Daniel Dantas. Gilmar Mendes foi responsável por dois habeas corpus para colocar o banqueiro em liberdade e acabou ganhando 42 páginas do livro.
Na primeira instância, o juiz Valter André de Lima Bueno Araújo, da 15ª Vara Cível de Brasília, julgou improcedente a ação do ministro do STF contra o jornalista. Na sentença, a favor do jornalista, o magistrado destacou que não encontrou nada que amparasse o pedido de Gilmar Mendes. Araújo destacou que não havia informação falsa ou com intuito difamatório na obra.
O ministro recorreu e o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios acatou o pedido para reformar a sentença e condenar Valente a pagar R$ 30 mil de indenização por danos morais. Ainda inconformado, Mendes apelou ao Superior Tribunal de Justiça. A 3ª Turma do STJ elevou o valor da indenização para R$ 318 mil, sendo R$ 143 mil a ser pago pelo jornalista e R$ 175 mil pela Geração Editorial.
A 1ª Turma do STF manteve a condenação na íntegra, inclusive a obrigação de publicar na reedição do livro a sentença do TJDFT, o direito de resposta e a petição de Gilmar Mendes na íntegra, que somam em torno de 200 páginas. O relator do caso foi o ministro Alexandre de Moraes.
Além do relator, votaram a favor de Gilmar Mendes os ministros Dias Toffoli, Marco Aurélio Mello e Rosa Weber. O único voto contra foi o ministro Luís Roberto Barroso. O julgamento ocorreu em agosto do ano passado. A sentença começou a ser executada em fevereiro deste ano, quando o jornalista pagou R$ 143 mil ao ministro Gilmar Mendes.
Agora, ele foi notificado a arcar com a parte da editora, já que foi condenado como devedor solidário e deverá desembolsar mais R$ 175 mil. A punição imposta a Valente é quatro vezes maior, por exemplo, ao valor arbitrado como indenização a ser paga pelo ex-procurador da República, Deltan Dallagnol, ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Jornalistas e entidades ouvidos pela Pública ressaltam que a sentença produz de imediato um efeito intimidatório sobre a investigação jornalística e biografias. O jornalista Octávio Costa, recém-eleito presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), vê na decisão do STF uma nova modalidade de censura, com conflito de interesses e abuso de poder em ações movidas por integrantes da mesma Corte que, no final, irá julgar os casos.
“É incrível que se permita que membros do STJ e STF proponham e julguem ações sobre colegas de tribunal. Sem dúvida afeta a liberdade de imprensa; o jornalista fica intimidado pelo assédio judicial. Ninguém é contra o pedido de resposta, mas não pode ser abusivo, com conflito de interesses”, afirma Octávio Costa, ele mesmo réu em outra ação por danos morais movida por Gilmar Mendes, pedindo R$ 150 mil de indenização por reportagem sobre a família do ministro, publicado na revista IstoÉ, em 2018, no período em que Costa dirigia a publicação.
Entre 2010 e 2018, segundo a Abraji, o ministro Gilmar Mendes moveu 11 ações nas quais, além de Rubens Valente e Octávio Costa, figuraram como réus outros sete profissionais: Luis Nassif, Patricia Faermann, Tabata Viapiana, Cynara Menezes, Claudio Dantas Sequeira, Monica Iozzi e Paulo Henrique Amorim, falecido em junho de 2019, alvo de seis ações por críticas ao decano do STF. A maioria dos processos está em andamento. Em alguns deles, como o de Iozzi, que pagou R$ 30 mil a Mendes, o valor da indenização foi reduzido. Sobre o caso Rubens Valente, a defesa exigiu pagamento integral e sem parcelamento.
“Lançado em janeiro de 2014 pela Geração Editorial, o livro Operação Banqueiro parte de uma aprofundada apuração jornalística, tendo como fio condutor investigações da Polícia Federal que resultaram na prisão do banqueiro Daniel Dantas, do Opportunity, acusado de lavagem de dinheiro, corrupção e suborno de agentes públicos durante a chamada Operação Satiagraha, à época a maior ofensiva da PF contra a corrupção. No desdobramento das ações, Mendes, então presidente do STF, por duas vezes, num espaço de 72 horas, derrubou os mandados de prisão de Dantas pedidos pelo juiz federal Fausto de Sanctis.
Em 2011, com a anulação total da operação pelo STJ, Dantas e os demais réus acusados por corrupção passiva ganharam a liberdade. Os únicos condenados foram o delegado responsável pela investigação, Protógenes Queiroz, por violação de sigilo funcional, e o jornalista que mergulhou na história por seis anos, entre 2008 e 2014, para publicar Operação Banqueiro”, destaca a Pública.
Em entrevista à agência, Rubens Valente ressaltou que não fez nenhuma ofensa ao ministro Gilmar Mendes. “Considero um atentado à liberdade de expressão e de informação. A partir dessa decisão do STF, basta que uma pessoa obtenha decisão favorável numa causa de danos morais para inviabilizar a comercialização do livro inteiro. Basta redigir uma petição de 100, 200 páginas. Nem as piores obras negacionistas, recheadas de fake news, sofreram tal determinação do Supremo Tribunal Federal. Tudo porque escrevi sobre um ministro do Supremo e ele não gostou”, lamentou o jornalista.
Rubens Valente é natural do interior do Paraná, mas cresceu em Dourados (MS). Ele se formou na UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul) e trabalhou nos principais jornais de Campo Grande, como Diário da Serra e Correio do Estado. Ele foi repórter da Folha de São Paulo e colunista do portal Uol.
Para ajudar o jornalista a pagar a indenização ao ministro do STF, Gilmar Mendes, amigos lançaram uma campanha nas redes sociais. “Ajude a liberdade de expressão. Uma campanha feita por amigos do Rubens com a autorização dele”, diz o recado no Twitter. A chave aleatória do Pix é “ajudarubens”.
Edivaldo Bitencourt