MP Eleitoral alerta para retrocessos na legislação de anistia a partidos que descumpriram cotas de gênero


Grupo propõe ajustes em dispositivos que podem restringir participação feminina na política, colocando Brasil na contramão de outros países

O Grupo de Trabalho de Prevenção e Combate à Violência Política de Gênero do Ministério Público Eleitoral elaborou nota técnica em que alerta sobre a necessidade de ajustes em trechos da Emenda Constitucional (EC) 117/2022, que formalizou as normas de financiamento das campanhas femininas, mas anistiou partidos que descumpriram políticas afirmativas nas eleições passadas. Promulgada em abril deste ano, a EC incluiu na Constituição Federal regras que já haviam sido consolidadas em decisões judiciais para a destinação de recursos mínimos e tempo de propaganda no rádio e na TV às candidatas. Para o GT, no entanto, alguns pontos do texto representaram “retrocesso a garantias constitucionais e a direitos na matéria de promoção de gênero já reconhecidos pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e pelo Supremo Tribunal Federal (STF)”.  

No documento, o grupo considera preocupante o trecho da Emenda (artigos 2º e 3º) que afasta a aplicação de sanções aos partidos que não cumpriram a cota de gênero (30% das candidaturas proporcionais) nas últimas eleições. Os dispositivos também anistiam aqueles que não destinaram o percentual mínimo de 30% de recursos públicos para o financiamento de campanhas de mulheres e de 5% do montante recebido do Fundo Partidário para ações de promoção da participação feminina na política. O grupo chama atenção para o fato de que não é a primeira vez que uma lei tenta afastar a aplicação de penalidade por não aplicação dos recursos voltados ao incentivo da participação da mulher na política.

“A Emenda Constitucional 117/2022 entra para o rol das reiteradas e sucessivas anistias aprovadas no Parlamento para evitar sanções aos partidos políticos que descumprem as políticas afirmativas voltadas para inclusão de gênero, reforçando o recado legislativo de que tais políticas não têm importância suficiente para gerarem sanções quando desrespeitadas”, ressalta a Nota Técnica. O documento reforça que as ações afirmativas femininas no contexto político-partidário são conquistas que, ainda insuficientes, continuam sendo indispensáveis.

Nesse sentido, o grupo do MP Eleitoral conclui que algumas das regras contidas na EC podem provocar grandes restrições aos direitos políticos das mulheres, o que constitui violência política de gênero. “O Brasil está seguindo na contramão dos países onde a representação feminina aumentou, caso adote políticas que restrinjam, por qualquer modo, a participação feminina na política”, afirma o GT, referindo-se a trechos da Emenda Constitucional 117/2022 aprovados pelo Congresso brasileiro.

Acúmulo de verbas – Outro problema apontado no documento elaborado pelo GT é que a EC permite às agremiações acumularem as verbas não aplicadas nas ações de fomento à participação feminina na política partidária para uso posterior em campanha eleitoral. Essa possibilidade, segundo o GT, contraria decisão do STF. No julgamento da ADI 5.617, a Suprema Corte declarou inconstitucional o dispositivo de uma lei que permitia esse tipo de acúmulo para aplicação futura em campanhas de mulheres.A Nota Técnica ressalta que os partidos não podem acumular verbas oriundas de finalidades distintas em diferentes exercícios financeiros ou manusear suas aplicações em desconformidade com a destinação legal do dinheiro público disponibilizado. “Os recursos afetados à difusão da participação política feminina têm por objetivo beneficiar, não apenas as candidatas, mas todo o grupo de gênero, por meio de sua preparação para a vida político-partidária, de maneira permanente e não apenas em ano eleitoral”, pontua o grupo de trabalho.  

Distribuição da cota – A nota técnica também chama atenção para o fato de a emenda aprovada pelo Congresso deixar a critério livre dos partidos a distribuição do montante mínimo de recursos e tempo de rádio e televisão destinados às mulheres. A EC determina que as legendas devem destinar pelo menos 30% dos recursos públicos de campanha e do tempo de propaganda gratuita para as candidatas e que essa destinação deve ser proporcional ao número de mulheres que vão concorrer. No entanto, a forma de distribuição desses percentuais entre as concorrentes fica a critério da livre escolha de cada partido.  

Para o GT do MP Eleitoral, essa ampla discricionariedade na distribuição dos recursos e do tempo de propaganda pode gerar arranjos desproporcionais, desvirtuando o objetivo principal da norma, que é fomentar a participação de mais mulheres na política. A situação pode ensejar uma concentração de recursos em apenas pequeno núcleo de candidatas e especialmente de vices e suplentes em chapas majoritárias, situação que, segundo o GT, já é realidade pelo menos desde 2018.

Com o objetivo de impedir o desvirtuamento da política afirmativa, a nota técnica sugere que o tema seja disciplinado em lei, estabelecendo limites para essa distribuição ou estipulando um percentual mínimo de acesso universal e outro para ser repartido livremente, atendendo o princípio da autonomia partidária. O GT deixa claro que a proposta de estabelecer balizas para essa repartição não contraria a autonomia partidária, que é garantida pela Constituição, mas não é ilimitada. Tal autonomia, segundo o GT, deve levar em consideração a “eficácia horizontal dos direitos fundamentais no que tange à igualdade de oportunidades na competição eleitoral entre homens e mulheres, bem como no exercício de seus direitos políticos”.

Terminologia – Outro ponto levantado na nota técnica diz respeito à terminologia utilizada no sétimo parágrafo do artigo 17 da Constituição Federal, que foi atualizado pela EC.  O dispositivo obriga as legendas a destinarem pelo menos 5% dos recursos do Fundo Partidário para criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres. De acordo com o GT, o termo “mulheres” se limita a uma condição biológica e exclui grupos (como transgêneros e transexuais) que devem ser igualmente pautados nas ações afirmativas. A sugestão é que a palavra seja substituída pela expressão “gênero feminino”.

“A finalidade da norma é promover a inclusão feminina na política com o objetivo do constituinte comprometido com a igualdade não apenas formal, mas também material, assim como visando o aprimoramento do nosso regime democrático. Contudo, a promoção e inclusão de grupos minoritários em matéria de gênero não se limita a alcançar somente mulheres”, conclui o Grupo de Trabalho do MP Eleitoral.
Íntegra da Nota Técnica

 

folha de dourados



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