Erros cometidos pela ‘lava jato’ podem gerar onda de pedidos de indenização


Anulação de processo pode levar advogados a pedir indenização por decisões de Bretas Fernando Frazão/Agência Brasil

As anulações de decisões da finada “lava jato” e seus desdobramentos têm feito com que cresça um movimento de vítimas para pedir indenização pelos danos causados pela autodenominada força-tarefa. Em regra, tais ações devem ser movidas contra a União. Contudo, há casos em que o pedido pode ser movido diretamente contra quem causou o prejuízo, como fez o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva contra o ex-procurador Deltan Dallagnol no “caso do PowerPoint”.

Diversas decisões da “lava jato” vêm sendo revogadas por tribunais. O caso mais famoso é a anulação das condenações de Lula pelo Supremo Tribunal Federal. A corte entendeu que a 13ª Vara Federal de Curitiba era incompetente e que o ex-juiz Sergio Moro era suspeito para julgar o petista.

Há, no entanto, muitas outras decisões que reconhecem ilegalidades na “lava jato”. Recentemente, por exemplo, o juiz Marcello Rubioli, da 1ª Vara Criminal Especializada do Rio de Janeiro, extinguiu a ação penal contra advogados perseguidos pelo juiz federal Marcelo Bretas por sua atuação com a Fecomércio do Rio e entidades do Sistema S. O juiz afirmou que não há provas suficientes para embasar as denúncias do Ministério Público Federal contra dezenas de escritórios. As denúncias tinham como base a delação do ex-presidente da Fecomércio Orlando Diniz, que foi anulada por Rubioli.

O Estado responde objetivamente pelos danos que seus agentes causarem a terceiros, estabelece o artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal. Em caso de erro judiciário que tenha causado prejuízo, a vítima pode pedir indenização ao poder público, afirma o professor de Direito Administrativo da Universidade do Estado do Rio de Janeiro Gustavo Binenbojm.

“Esse direito à indenização por erro judiciário é assegurado excepcionalmente pela Constituição como um direito fundamental e, obviamente, deve ser garantido nos casos que tenham ocorrido no bojo da operação ‘lava jato'”, aponta ele.

O pedido deve ser dirigido à pessoa jurídica à qual pertençam os magistrados que proferiram a decisão com erro judiciário, diz Binenbojm. Se a decisão foi proferida por juiz federal, Tribunal Regional Federal, Superior Tribunal de Justiça ou Supremo Tribunal Federal, o requerimento de reparação deve ser feito à União. Se por juiz estadual ou Tribunal de Justiça, ao respectivo estado.

Em caso de dolo ou fraude do magistrado, a União ou o estado podem exercer o direito de regresso para a responsabilização pessoal do juiz, destaca o professor.

Condenação pelo PowerPoint
O Superior Tribunal de Justiça, no fim de março, condenou Deltan Dallagnol a pagar indenização de R$ 75 mil ao ex-presidente Lula pelos danos morais causados na entrevista em que apresentou uma denúncia contra o petista em um documento de PowerPoint. Com correção monetária e juros de mora, o valor ultrapassa R$ 100 mil.

Deltan Dallagnol foi condenado a indenizar Lula por causa da ‘coletiva do PowerPoint’ Reprodução/Twitter

O caso que gerou a ação ocorreu em 2016, quando a “lava jato” curitibana reuniu a imprensa em um hotel da capital paranaense para apresentar a denúncia que seria oferecida contra o petista pelo caso do tríplex do Guarujá.

Foi o processo que levou à condenação de Lula em 2017 e o tirou da corrida eleitoral no ano seguinte. Essa decisão foi derrubada pelo STF, que reconheceu a incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba para julgar a ação e, posteriormente, a suspeição de Sergio Moro. Em 2021, o Ministério Público Federal reconheceu a prescrição.

Na ocasião, Deltan preparou apresentação em Power Point com slide que se tornaria notório, no qual ligava termos à figura de Lula para justificar a ação penal. Ele chamou o ex-presidente de “comandante máximo do esquema de corrupção” e de “maestro da organização criminosa”. E ainda fez menção a fatos que não constavam da denúncia: afirmou que a análise da “lava jato”, aliada ao caso do “mensalão”, apontava para Lula como comandante dos esquemas criminosos. O “mensalão” foi julgado pelo STF na Ação Penal 470 e não contou com o petista como réu.

Os ministros do STJ concluíram que as falas de Deltan configuraram abuso de direito, pois são resultado de postura inadequada do procurador da República, com o uso de expressões e qualificações desabonadoras da honra e da imagem de Lula e afastadas da tecnicidade adotada no texto da denúncia.

O professor de Direito Constitucional da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Pedro Estevam Serrano diz que parte da doutrina entende que é possível que a vítima ingresse diretamente com a ação contra os agentes estatais que causaram o dano.

No “caso do PowerPoint”, Deltan foi responsabilizado por sua conduta pessoal, e não pelos atos relativos à função de procurador da República que praticou, ressalta Serrano.

“No caso de Dallagnol, o que motivou a ação foi a ofensa à honra pessoal de Lula. Os danos inclusive causados a ele pela conduta específica de Dallagnol, por apresentar o Powerpoint, pela forma como divulgou a denúncia, não pelos atos estatais que ele praticou. Mas o fundamento no caso não foi a prisão abusiva que Lula sofreu, o processo fraudulento. O fundamento foi apenas a ofensa à honra dele”, afirma o docente.

Um professor de Direito Civil ouvido pela ConJur diz que a decisão do STJ no “caso do PowerPoint” abriu a possibilidade de vítimas moverem ação por danos morais em face de atos específicos de agentes estatais. Contudo, ele avalia que o alcance desses processos é limitado, pois as indenizações por danos morais não costumam atingir grandes valores.

Já um profissional que foi alvo da ação penal contra advogados promovida pelo juiz Marcelo Bretas diz avaliar se entrará com pedido de indenização. Ele também ressalta que a decisão do STJ contra Deltan será um importante precedente a ser usado em ações do tipo.

Cobrança por prejuízos
Em artigo publicado na ConJur, o advogado Gilberto Vieira afirmou que a operação “lava jato” foi encerrada, mas a Justiça ainda terá de se pronunciar sobre os erros judiciais, as condutas processuais adotadas e, posteriormente, apurar os danos que foram causados, talvez ilicitamente e propositadamente, a todo o setor de construção pesada do país.

Vieira lembrou do caso de Zuleido Veras, dono da empreiteira Gautama. “Zuleido Veras foi destroçado como pessoa e como profissional por atos judiciais e por condutas não judiciais, mas propositais, oriundas de agentes públicos, a exemplo da espetacularização midiática da prisão dos investigados na operação ‘navalha’, ou mesmo de vazamento de dados sigilosos, ou ainda através de diversas entrevistas de acusadores e de juízes, como a então ministra Eliana Calmon, do Superior Tribunal de Justiça”.

“Numa espécie de laboratório do que estava por vir na ‘lava jato’, contra Zuleido o Estado: grampeou ilegalmente; editou gravações telefônicas; suprimiu diálogos importantes e inocentadores; escondeu que investigava parlamentares para não enviar o processo para o STF; bloqueou contas e bens sem nem saber ainda de quanto seria a acusação de desvio; compartilhou indícios como se fossem provas, enviando a outros órgãos de controle, clientes da empresa e até desafetos, dados da investigação que deveriam ser sigilosos; escondeu e destruiu documentos; e permitiu que a polícia usasse veículos dos investigados e hoje inocentados. Um descalabro!”, ressalta Vieira.

Com isso, a empreiteira ficou com seus recursos bloqueados e teve fornecimentos e pagamentos suspensos. Como seus documentos haviam sido apreendidos, não pôde refutar autos de infração e recebeu penalidades tributárias. Ao fim dos processos, a Justiça reconheceu a inocência de Veras e dos demais executivos da Gautama.

“O linchamento midiático, suportado por vasta documentação enviada à imprensa por órgãos oficiais, os atos judiciais e os atos fora dos autos, geraram efeitos irreversíveis na vida pessoal, profissional dos acusados e de suas empresas e negócios e, por isso, são factíveis as indenizações sem necessidade de discussão teórica”, destacou Vieira.

“As indenizações dos absolvidos na operação ‘navalha’ irão inaugurar uma era de prejuízos ao Tesouro decorrentes de erros judiciais que, na essência do Direito e da lógica são indesculpáveis, quando não, classificados de erros propositais. Não se pode negar os fatos e a inocência de Zuleido e da Gautama. Isso já foi superado. Agora, o trabalho é apurar os danos e, posteriormente, saber quem, além do erário, vai quitar a conta. É calcular os danos e pagar!”, concluiu ele, lembrando que o caso pode servir de precedente para vítimas da “lava jato”.

Zuleido Veras moveu duas ações de reparação por erros judiciais. Ele pediu à União indenização por danos morais de R$ 50 milhões após sucessivas instâncias o absolverem. O pedido de danos materiais causados à Gautama pela operação navalha pode chegar a R$ 10 bilhões.

Em entrevista à revista Veja, a ministra aposentada do STJ Eliana Calmon disse que o próximo passo contra a “lava jato” deve ser uma enxurrada de pedidos de indenização movidos por empresas que foram vítimas da operação.

“Não sei quanto é que vai ser a conta para os cofres públicos quando começarem a entrar com as ações da ‘lava jato’, porque o caminho é esse. Anulam-se todas as provas e depois entram com pedido de indenização”, lamentou Eliana Calmon, que foi relatora da operação ‘navalha’ no STJ. (Revista Conjultor Jurídico)

 

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